GTA 5 - Análise
GTA V é um excelente jogo que apenas peca por se manter demasiado fiel a problemas e mecânicas do passado.
Não existe como negar o impacto sociocultural que Grand Theft Auto tem atualmente no mundo. A série da Rockstar Games é um fenómeno à escala mundial, não importa se são ávidos jogadores ou não, todos conhecem GTA e todos já estiverem em contacto com ele, seja por bons ou maus motivos. Tendo atingido o estrelato com o lançamento de Grand Theft Auto III, revelando pela primeira vez ao mundo aquilo que todos agora conhecemos como um jogo Sandbox, a série regressa agora, cinco anos depois da iteração anterior, com o estatuto de título mais esperado do ano e enormes expectativas à espera de serem correspondidas. Grand Theft Auto V está finalmente disponível e esta é a nossa análise.
A narrativa da nova entrada da série produzida pela Rockstar North coloca-nos de novo no vibrante estado de San Andreas, levando-nos das moradias gigantescas e lindíssimas de Los Santos até às redondezas desérticas de Blaine County. A cidade de Los Santos é uma metrópole cheia de vida, cores brilhantes e personalidades bizarras e extravagantes, enquanto os terrenos de Sandy Shore transmitem desde logo uma sensação de abandono e desespero acompanhado por uma demonstração de vida selvagem e pobreza capaz de perturbar qualquer um. Algo que salta desde logo à vista é que o cenário do novo título é bastante mais interessante e apelativo que a monocromática e solitária Liberty City de GTA IV. Existe sempre motivação para explorar o mapa de jogo livremente e jogá-lo com um olho no mini mapa significa perder muito de tudo aquilo que nos rodeia, uma vez que San Andreas merece ser explorada com calma e sem grandes pressas para avançar na história. San Andreas é um mundo gigantesco sempre com algo a acontecer que merece a nossa contemplação.
Tal como seria de esperar, sendo os mundos de Grand Theft Auto criados para fazer uma crítica e sátira da sociedade americana, o mundo de San Andreas está repleto de referências a esta cultura, seja através das versões fictícias da Apple (Fruit), Facebook (Life Invader) e o popular concurso America’s Got Talent (Fame or Shame), ou através de métodos mais subtis. Por todo o lado encontram-se ricos aborrecidos que procuram o crime para apimentarem a sua vida, rivalidades sem sentido entre gangues e celebridades “inocentes” com vida secretas promíscuas, enfim, tudo o que for necessário para retratar uma sociedade em degradação levada ao extremo.
Uma das novidades que mais celeuma provocou aquando do seu anúncio foi o facto de termos à nossa disposição três personagens jogáveis distintas: Michael, Franklin e Trevor. Por motivos que não revelarei aqui, o destino leva a vida destes três homens ligados ao mundo do crime a se entrelaçar para nos proporcionar a melhor história da série de mundo aberto. Michael é um antigo ladrão de bancos e parceiro de crime de Trevor que se encontra colocado num programa de proteção de testemunhas com uma família que já não o ama e que o faz sentir cada vez mais farto da monotonia da “boa vida”. Franklin é um membro de gangues que nasceu numa zona marcada pela criminalidade e rivalidade entre os mesmos e que agora procura elevar-se na cidade de Los Santos e se deixa levar sob a alçada do experiente Michael. Por último temos Trevor, um psicopata e sociopata sem escrúpulos capaz de fazer tremer qualquer um, agindo sempre sem pensar e estando constantemente a ter ataques de raiva, o que acaba por o tornar a personagem mais interessante e especial. Embora todos possam parecer simples estereótipos, não é preciso muito tempo de jogo para que estas personagens ganhem uma enorme complexidade e justifiquem as cerca de 25 horas que passarão com elas se fizerem apenas as missões principais.
A relação entre as personagens está longe de ser a mais amistosa, mas de uma forma ou de outra são interdependentes entre si para conseguirem atingir os seus desejos mais imediatos. Ao contrário de alguns títulos, em GTA V três personagens são sinónimo de três perspetivas muito diferentes do mesmo mundo que não só contribuem para um enredo mais interessante, mas que conferem igualmente um maior grau de complexidade a todos os eventos relatados ao longo das dezenas de horas que gastarão neste título. A maneira como seria efectuada a transição entre os três protagonistas era uma das questões que mais curiosidade despertou nos fãs e a Rockstar conseguiu arranjar uma forma de o fazer com uma enorme simplicidade e facilidade. Com uma simples sequência de cliques nos botões, o jogador poderá “saltar” de uma personagem para outro de um forma simples e rápida, sendo necessários apenas dez segundos para que o jogo faça zoom out da personagem com que estamos e zoom in para aquele que desejamos passar a controlar. Cada personagem é independente e nunca sabemos o que poderemos encontrar quando assumimos o controlo de determinado protagonista – podemos encontrar Michael a relaxar na sua piscina, Franklin a brincar com Chop, o seu Rottweiler, ou até mesmo Trevor a tentar curar uma ressaca, vestindo nada mais que um vestido de mulher. Outra consequência positiva de contar com três personagens é que podemos utilizar a transição entre elas como um método de viagem rápida se assim desejarmos.
Cada uma das personagens possui a sua própria habilidade especial que poderão representar mais-valias em determinadas missões e que servem também para as diferenciar mais um pouco porque as suas personalidades não são suficientes para as distinguir durante os momentos de jogabilidade propriamente dita. Pressionando os dois analógicos em simultâneo, o jogador entrará numa espécie de “bullet time” que permitirá a Trevor entrar em modo de matança, a Franklin ganhar vantagem em momentos de condução e a Michael tirar partido das suas capacidades de atirador. Para além disso, as personagens contam também com um vasto leque de caraterísticas que serão melhoradas através da realização de diversas tarefas do quotidiano e também através de missões. A habilidade de tiro pode ser melhorada num percurso de tiro numa loja de armas, o fôlego pode ser aumentado nadando debaixo de água e a resistência através de desportos como triatlo.
Como não poderia deixar de ser, as missões em Grand Theft Auto V são variadas e interessantes. Sem um incómodo primo que nos está constantemente a ligar, o jogador pode concentrar-se em fazer o que quer, quando quer. As missões fazem um excelente trabalho não só em transmitir a sensação de que tudo o que fazemos tem um impacto significativo na narrativa, sendo que em momento algum senti estar a embarcar em missões principais que pouco ou nada faziam para avançar os acontecimentos e que pareciam apenas estar lá para aumentar as horas de jogo, mas também em levar-nos aos variadíssimos cenários do estado de San Andreas. Tal como em GTA IV, as missões voltam a chegar-nos maioritariamente através do telemóvel, embora agora exista a possibilidade de aceitar ou rejeitar determinados pedidos de personagens secundárias.
No que diz respeito a este departamento, o destaque vai obviamente para as missões que envolvem pelo menos dois dos protagonistas, mais concretamente os tão mencionado assaltos. A hipótese de escolha da abordagem ao assalto – em alguns deles – e todas as tarefas necessárias para a sua preparação contribuem para tornar a conclusão destas missões ainda mais especiais e memoráveis, tornando-os sem dúvida os momentos altos do jogo. No entanto, é uma enorme pena que estes acabem por ser poucos para as largas horas de duração da campanha. Uma das grandes novidades da quinta entrada numerada da série foi a introdução de pontos de controlo mais generosos nas missões, evitando assim que sejamos forçados a estar constantemente a repetir missões completas desde o seu início em caso de falhanço, um dos maiores problemas da iteração anterior da série.
No final de cada missão somos recompensados com determinada classificação consoante os objetivos secundários que tenhamos conseguido durante a missão, sendo que está disponível uma opção para as repetirem a qualquer momento sem afectar o vosso progresso na campanha para melhorarem as classificações menos conseguidas e aproximarem-se mais da tão desejada conclusão a 100%.
Tal como nas entradas anteriores da série, Grand Theft Auto V volta a colocar o jogador a passar demasiado tempo a conduzir veículos durante e fora de missões, o que acaba por ser uma estratégia de construção das missões um pouco questionável, uma vez que estamos mais tempo a conduzir de ponto A para o ponto B do que a participar na ação propriamente dita. Ainda assim, os constantes diálogos entre as personagens e as grandes melhorias implementadas no comportamento dos veículos tornam estes momentos muito mais apreciáveis do que acontecia anteriormente. A condução está, de uma forma geral, muito mais eficiente, os carros não fogem tanto e sente-se imediatamente que temos um maior controlo sobre os mesmos. Também não ajuda que as perseguições policiais tendem a arrastar-se por demasiado tempo, contribuindo para aumentar o contador de horas dentro de um veículo.
Outra questão que continua a deixar a desejar na gigantesca experiência que é Grand Theft Auto são as mecânicas de tiro que, embora tenham sido visivelmente melhoradas, continuam um pouco mecanizadas, não sendo tão satisfatórias como gostaria, sobretudo no que diz respeito ao sistema de cobertura que por muitas vezes parece prender as nossas personagens e dificultar a nossa abordagem aos combates.
Uma das grandes vantagens de ter um mundo gigantesco à disposição é poder preenchê-lo com diversas actividades secundárias que representam pequenos escapes para o jogador de todos os eventos relacionados com a narrativa e simplesmente relaxar e desfrutar de tudo o que San Andreas tem para oferecer. As atividades de lazer correspondem a pequenos jogos dentro do jogo principal, mas que não deixam nada a dever às mecânicas e qualidade do resto do título. Ténis, triatlo, corridas aquáticas, escolas de piloto aéreo, percursos de tiro e corridas “off-road” são alguns exemplos dos passatempos disponíveis para entreter o jogador que se sinta cansado da quantidade enorme de missões com que serão bombardeados.
Como o dinheiro é sempre um grande foco de qualquer jogo da série, a Rockstar decidiu implementar no novo título a possibilidade de comprar determinados locais de interesse e habitações que nos renderão lucros avultados de renda e também mercados de bolsa que reagem diretamente a eventos de jogo nos quais nós tivemos intervenção direta.
Los Santos e Blaine County, como cidades vivas que são, contam também com diversos eventos aleatórios nos quais podemos intervir, seja uma discussão conjugal, um pequeno furto ou a tentativa de roubo de uma carrinha de valores. Ainda assim, estas pequenas situações envolvem um esforço que raramente vale a pena e que recompensem esse mesmo esforço.
Em termos gráficos, o salto qualitativo de Grand Theft Auto V face à aventura de Niko Bellic é abismal e tudo o que escrevi no início desta análise sobre o mundo de San Andreas serve para explicitar isso mesmo. Como seria de esperar dada a grandeza do mapa de jogo, é notório o aparecimento de algumas texturas à distância, algo que se torna mais evidente com o aumentar das horas de jogo, mas que nunca são suficientes para perturbar de algum modo a ação. Destaque ainda para ausência quase total de erros e bugs, sendo que apenas por uma vez acabei por ir parar a uma dimensão alternativa sem nada em meu redor e com uma personagem que já tinha ido desta para melhor.
Uma das imagens de marca da série é a sua excelente banda sonora composta por um variado leque de rádios disponíveis para ouvirem no vosso veículo capazes de agradar a pessoas com os mais variados gostos. Querem abanar a cabeça ao som de uma boa música de Rock clássico, podem fazê-lo. Se preferirem ouvir uma música Country quando estiverem em terrenos desérticos ou ouvir um rap poderoso enquanto vagueiam pelas ruas dominadas pelos gangues, também o podem fazer. Pessoalmente, tenho como músicas de eleição a Radio Ga Ga dos Queen e Lonely is the Night de Billy Squier, mas o que importa é que existe sempre uma música certa para o momento certo, até mesmo para acompanhar o sofrimento causado por um desgosto amoroso de uma das personagens.
Destaque também para o trabalho de voz soberbo desempenhado pelos atores que deram vida às várias personagens que nos acompanham durante a aventura, principais ou secundários, que é do melhor que já alguma vez se viu na indústria, com destaque óbvio para o desempenho brilhante de Steven Ogg, voz de Trevor. Quero também mencionar um pequeno detalhe que gostei bastante na obra da Rockstar, refiro-me ao facto de as notícias que passam na rádio estarem constantemente a mencionar aquilo que fazemos em missões principais e secundárias, mostrando mais uma vez a enorme atenção ao detalhe que a produtora colocou no seu mais recente projeto.
Sucintamente, Grand Theft Auto V é o expoente máximo do género Sandbox e tudo aquilo que um jogo de mundo aberto deve ser. Quantidade enorme de missões interessantes e variadas, personagens complexas e com as quais estabelecemos relações estranhas, e uma jogabilidade que apenas peca por se manter demasiado fiel àquilo que tornou a série tão conhecida e que por isso mantem também alguns dos seus problemas. Ainda assim, não existe como negar que a nova entrada da série de maior sucesso da indústria é uma excelente obra que qualquer jogador deve experienciar, mesmo aqueles que se mostraram relutantes em relação à série no passado. GTA V é um jogo altamente recomendável e tem o selo de aprovação do VideoGamer Portugal.
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